segunda-feira, 6 de julho de 2020

Obesidade infantil: conheça os fatores de risco e saiba como a prevenir


Define-se como obesidade o excesso de gordura corporal, ao qual se associa um maior risco de desenvolver outras doenças. A OMS desde 2004 que considera a obesidade, por si só, uma doença crónica, independentemente de a ela estarem ou não associadas outras doenças.
Carla Rêgo
Em Portugal, a prevalência de excesso de peso / obesidade em crianças / adolescentes ronda os 30%, transversalmente dos 1 aos 15 anos (EPACI Portugal2012; COSI, SPEO) e a agregação de 2 ou mais fatores de risco cardiovascular (hipertensão, diabetes, alteração das gorduras do sangue) atinge mais de 50% das crianças / adolescentes obesos (2-18 anos) (Rêgo, C 2008).
Existem casos raros (menos de 1%) de obesidade que têm origem nos genes e são caracterizados pela ocorrência de uma obesidade marcada, logo nos primeiros anos de vida.
Existem ainda algumas doenças (hormonais e outras) que cursam com obesidade, bem como alguns medicamentos que, quando usados por períodos longos, podem provocar obesidade. Mesmo assim, estas causas, somadas, não ultrapassam os 5-7%.
Posto isto, ficariam mais de 90% dos casos de obesidade humana por explicar! Mas tal não é verdade! O Homem está geneticamente programado para trabalhar, semear, correr atrás da caça, passar por oscilações de oferta alimentar, andar a pé e trabalhar com grande esforço físico…
Hoje nós trabalhamos sentados, andamos de carro e a comida, geralmente abundante, vem ter connosco sem qualquer esforço! Este “desajuste” entre a programação genética e o estilo de vida atual faz com que haja tendência para se “acumular” energia diariamente e se ir engordando.
É certo que há pessoas que são geneticamente mais “poupadoras de energia” e têm mais facilidade em engordar, mas a única atitude a tomar para evitar a obesidade é a promoção de uma alimentação saudável e de um estilo de vida ativo.
Para prevenir e tratar a obesidade há 2 aspetos a ter em conta: a identificação de “indivíduos de risco” (ou suscetíveis) e a prevenção precoce.
Quem são então os “indivíduos de risco”?
  • Filhos de mulheres obesas ou que aumentam de peso durante a gravidez acima do recomendado.
  • Recém-nascidos de termo que são leves (menos de 2 500g) ou grandes (mais de 4 000g).
  • Todas (e não apenas as anteriores) as crianças que aumentam rapidamente de peso nos primeiros meses / ano de vida.
  • As que em qualquer fase do crescimento, mas particularmente aos 5-7 anos, aumentam o seu índice de massa corporal (IMC), fazendo a trajetória inversa da curva normal.
  • As crianças / adolescentes que têm na sua rotina diária muitas horas de ecrã (TV, computador…).
  • As crianças / adolescentes que não são fisicamente ativos e não praticam uma atividade física regular.
Concluímos, pois, que o “ambiente nutricional” bem como a atividade física são determinantes para a prevenção da obesidade, desde o nascimento.

Depois de definirmos os “indivíduos de risco” como podemos fazer a prevenção precoce?

Durante o primeiro ano de vida:
  • Promover o aleitamento materno.
  • Treinar paladares e texturas baseados numa alimentação diversificada e equilibrada a partir dos 5-6 meses, utilizando esta janela de treino para ensinar desde o 1.º ano a gostar de tudo.
  • Respeitar os volumes das porções, muito em particular pelos volumes de leite / derivados (que não devem exceder em cada mamada os 180 ml e que a partir dos 12 meses não devem ser superiores a 300-400ml/dia).
  • Não utilizar leite de vaca como fonte láctea principal durante, pelo menos, o 1.º ano de vida; na ausência de leite materno, deve utilizar-se uma fórmula infantil (leite em pó para crianças) até pelo menos aos 24 meses.
  • Retirar o biberão da noite a partir, pelo menos, dos 12 meses (não é necessário numa perspetiva nutricional, é cariogénico e facilita o aumento de peso).
  • Não utilizar o alimento numa vertente emocional (como entretenimento ou como recompensa / punição).
Após o primeiro ano de vida:
  • Respeitar o conceito de que se pode comer de tudo mas importa “ter regra todos os dias e deixar a exceção para dias especiais".
  • Ter sempre presente que a única bebida a ser consumida diariamente é a água.
  • Ter presente que os alimentos naturais são sempre mais saudáveis que os “empacotados” (a Roda dos Alimentos portuguesa é um modelo a seguir).
  • Comer pelo menos 5 refeições/dia evitando jejuns longos e nunca “saltar refeições”, particularmente o pequeno-almoço.
  • Ensinar a comer devagar promovendo a vertente social da refeição e não repetir as doses.
  • Iniciar sempre o almoço / jantar por uma dose de legumes / vegetais.
  • Promover um estilo de vida ativo e, se possível, incluir a prática regular de uma atividade desportiva no plano semanal.
  • Reduzir ao máximo o tempo de exposição a atividades de ecrã (1-2h/dia) e supervisionar.
Estas 15 “dicas” podem ser entendidas como “bons conselhos” para prevenir, desde os primeiros tempos de vida, a obesidade e as doenças a ela associadas que atualmente são as principais responsáveis por um elevado número de mortes precoces, não apenas em países desenvolvidos mas também nos que se encontram em desenvolvimento (em “transição nutricional”).
Mas o que eu pretendo com estes 15 “bons conselhos” é dar sugestões que resultem na promoção de um crescimento e desenvolvimento harmoniosos, bem como uma vida futura saudável e feliz para os vossos filhos.
Alimentar de uma forma saudável e promover o gosto por um estilo de vida ativo fazem parte da vossa responsabilidade de educadores.

Carla Rêgo

Pediatra do Hospital CUF Porto. Professora da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto e da ESB - Porto da Universidade Católica Portuguesa.

E se a Internet falhasse


Quem já passou pela experiência de corte de eletricidade temporário é que, de repente, se apercebe do quão dependentes estamos da energia elétrica. Quando isso acontecia, uma das sensações mais estranhas era o facto de a televisão se desligar, o que se traduzia num silêncio estranho. Numa era ainda pré-internet, em muitos lares seria um evento raro de repente a ausência do barulho de fundo da TV. De repente, era preciso falar para preencher esse vazio.
Imaginemos que, por algum motivo – seja um ataque, seja censura, seja uma dificuldade técnica – a Internet e os serviços que usamos diariamente ficassem inacessíveis. De outra forma, se a Internet fosse desligada, o que mudava no nosso dia-a-dia?
Algumas experiências que desafiam as pessoas a passar pontualmente algum tempo desconectados têm mostrado que o dia se torna mais produtivo, o estudo rende mais e se torna mais simples estar concentrado numa determinada tarefa. Como resultado dessas experiências, alguns alunos referem inclusivamente que se torna mais simples estudar.
Não deixa de ser curioso que ferramentas que usamos para aumentar a produtividade no trabalho ou melhorar a aprendizagem possam, na verdade, ser disruptivas dessas mesmas tarefas.
A própria comunicação entre as pessoas quando não há Internet disponível não é atrapalhada tão facilmente. Novamente, os media sociais que nos põe supostamente em contacto com os outros podem na verdade ser empecilho para estabelecer relação com aqueles de quem estamos mais próximos fisicamente.
Sabemos que muitas crianças têm dificuldade em estar nas aulas sem possibilidade de ver o seu telemóvel. Mas esta dependência de estar conectado não acontece só com os mais novos. Algumas empresas têm incentivado os seus colaborares a adotarem posturas a que chamam, por exemplo, ‘be here’, algo como, está presente!. Isso passa por estar em reuniões sem consultar computador, tablet ou telemóvel.
Em contexto familiar, pode ser um desafio interessante passar algum tempo sem qualquer acesso à Internet e aproveitar para fazer atividades que não envolvam ecrãs digitais.
Outra atividade que ajuda a ganhar consciência sobre o impacto das tecnologias em sociedades de países desenvolvidos é imaginar um mundo em que a Internet nunca tivesse existido. Por exemplo, elencar uma lista de palavras, figuras públicas, atividades, aparelhos e profissões nunca teriam existido, caso a Internet não tivesse sido inventada. Email, Like, Wikipédia, YouTube, iPad, Facebook, WhatsUp, teriam certamente de estar entre as palavras. Mas quantos outras se incluiriam nesta lista?
Voltando ao exemplo dos alunos que foram desafiados a passar algum tempo desconectados, no final da atividade a maioria referiu que não voltariam a essa experiência voluntariamente. Ainda que percebendo os benefícios, no geral preferimos beneficiar do potencial que a Internet nos proporciona, seja para trabalho, estudo ou lazer. Por isso, esta hipótese académica de a Internet deixar de existir, que se mantenha apenas no domínio do “e se...”. No entanto, atividades como as que aqui se sugerem podem ajudar a ganhar alguma consciência sobre os impactos dos meios digitais nas mais variadas dimensões da nossa vida.

Luís Pereira